Espiritualidade, magia, superstição

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5 min readApr 7, 2022

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Primeiro, apresentei meus motivos para escrever sobre religião. Com a crença católica empurrada goela abaixo, me encantei por tudo considerado profano. Depois, discuti conceitos que a revolta e insatisfação me ensinaram. Embora crítico, admito que o melhor conceito apresentado para religião seja de Durkheim: é algo sagrado.

Através das leituras na psicologia, posso afirmar que o poder e a dominação religiosas são bases que não se sustentam sozinhas. Os indivíduos têm uma função importante nesse processo. Sem os fiéis, não haveria diálogo entre os elementos religiosos e sociedade. Consequentemente, a crença não perduraria. O castigo divino é uma forma de dominação, através do medo. A demonização de atos “profanos” idem. É preciso explorar uma questão humana para que a relação entre os sujeitos e elementos religiosos aconteça: a espiritualidade.

Enquanto a religião é a ligação entre o terreno comunitário e o sobrenatural, a espiritualidade envolve somente o indivíduo e o sagrado (retomando conceitos: aquilo que não é possível comprovar a sua existência terrestre). O culto, por exemplo, representa um rito de louvor ao sagrado. Em termos práticos, o indivíduo não precisa de um mediador para manifestar sua espiritualidade. Ainda cabe separar a espiritualidade objetiva (ou pessoal) e subjetiva (ou transcendental). A primeira corresponde ao contato do indivíduo consigo; a segunda direciona o momento para algo superior. Digo objetiva porque, nesse caso, o objeto (sujeito) precisa de uma força exterior para avançar.

As religiões orientais costumam utilizar formas subjetivas de espiritualidade. A ioga e meditação são formas de o sujeito reconhecer a si mesmo e aprimorar suas características, mesmo que esses momentos possam ser mediados por outra fonte. Por outro lado, a espiritualidade objetiva está concentrada em maior parte pela oração. Nesses momentos, o religioso constrói laços afetivos com o sagrado. É possível, através da oração, falar o que quiser para Deus (ou Deuses). Mesmo que os crentes acreditem que a oração tem força terrestre, essa é uma função da magia.

Nesse parágrafo vou falar com alguns jovens que, como eu fui, são obrigados a frequentar espaços religiosos contra sua vontade. Utilize o argumento da espiritualidade subjetiva para faltar a missas e cerimônias religiosas. Diga que vai se encontrar com o divino nas suas orações e fique em casa. Use com sabedoria e talvez seus responsáveis até adotem o método — os meus vagarosamente caíram nessa armadilha –. Lembre que é um processo longo e você não vai ter sucesso do dia para noite. Meu pai não viveu até o fim da transformação, mas estava bem encaminhado. Pouco se importava se seus filhos iam para a igreja no domingo, embora ainda resmungasse vez ou outra. Deixo meu agradecimento a meus tios Alvino e Líria que recebiam os dois rebeldes nas tardes de missa (explico no final). Quanto a minha mãe, não lembro a última vez que ela foi a igreja católica, embora seja uma pessoa de fé. Aliás, lembre que o mundo hoje é diferente do mundo dos seus pais.

Aliás, vou abrir outro parágrafo para que a visão sobre meus pais não seja distorcida. Embora católicos e presentes na igreja, não eram radicais praticantes de seus elementos. Meu pai, mesmo cabeça dura as vezes, foi uma pessoa bondosa e acolhedora também nos meus momentos de discordância e sofrimento. Minha mãe, ainda viva, idem. Esclareço que não sofro hoje pela insistência deles em depositar em mim, sua fé. Compreendo que não foi um processo maldoso, nem os culpo. Mas definitivamente, as experiências religiosas que tive contribuíram para toda a visão negativa que tenho hoje acerca do sagrado.

Voltando.

A magia é a terceira força de resolução as dúvidas da humanidade. Se nem a ciência e a religião suprem determinado questionamento, a magia aparece. Embora compartilhe o sobrenatural com o sagrado, a magia visa manipulá-lo para alcançar determinado objetivo ou colher as recompensas. Também se diferencia da religião porque não obedece a questões institucionais, como ética ou comunidade. Particularmente, nunca precisei tanto da magia como hoje. Se depender do governo federal, nunca terei dinheiro, emprego nem saúde. A magia tem seus próprios métodos e não confia na ciência ou religião. Mas ainda há um quarto fator que conforta a humanidade: a superstição.

Mesmo sem ter bases científicas ou religiosas, superstições acreditam em influência sobrenatural que integram o indivíduo ao cosmos. Algumas pessoas evitam passar por baixo da escada pelo receio de má sorte. Outras caçam trevos de quatro folhas com o intuito contrário. Superstições independem de crenças religiosas ou rituais mágicos, embora compartilhem a visão sobrenatural. Minha mãe, católica — diz ela — vez ou outra aplica o feng shui e bagunça toda a casa para atrair bons espíritos, e minha cunhada tem pavor ao dia 23 de todos os meses porque acredita que algo de ruim vai acontecer. Felizmente, não registro casos de familiares que acreditam na má sorte do gato preto. Essas ideias podem parecer engraçadas para indivíduos que não compartilham da mesma superstição, mas esse fenômeno surge pela falta de explicação científica, religiosa ou mágica a determinadas situações.

As crenças surgem para mascarar o desconforto do homem. Irônico: ao mesmo tempo que a humanidade braveja a sua diferença racional dos outros animais, não hesitamos em procurar contato com o sobrenatural. Talvez seja isso que realmente nos diferencia dos demais bichos. Caro colega cientista ateu — que mais uma vez falha em procurar aqui respaldo –, lhe coloco no mesmo bolo. A sua busca pelo avanço científico é resultado da mesma dor dos religiosos. Se não concorda, assuma sua irracionalidade e volte uma casa no desenvolvimento das espécies. Aceite-se como um animal, pode ser uma boa decisão. Meu cachorro, Nauê, não sofre procurando sentido para sua existência. Ocupa seu tempo se divertindo, comendo, dormindo e mordendo algumas visitas. É a vida dos sonhos.

Por outro lado, não escolha ser um gato preto. Alguns não desfrutam da mesma condição de Nauê e são mortos por crenças supersticiosas que lhe atribuem má sorte. Também não é muito inteligente escolher ser uma galinha, geralmente sacrificadas em rituais mágicos. Evite o bode, católicos tem uma representação estranha sobre eles. Galinhas menos ainda, são sacrificadas em rituais mágicos. Vaca, só em algumas regiões da Índia. Você não pode escolher ser uma minoria, mas entenda que a violência contra elas são muitas vezes justificadas pela ciência (e também pela religião).

É uma pena não ser burro.

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Depois de alguma luta, comecei frequentar a missa da tarde com meu irmão. Já era um avanço. Íamos nós dois, poderíamos ficar no celular e conversar com outras pessoas e melhor: eu não precisava comer o pão insosso da igreja. Mais pra frente, a gente sequer pisava lá. Meus tios moravam perto da paróquia e então, fazíamos uma visita. Talvez eles nem soubessem da nossa rota original, mas sempre acolheram nossa descrença com carinho. Obrigado, Alvino e Lirinha.

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